quarta-feira, 8 de maio de 2024

3.6 Flores que nascem por dentro


 3.6 Flores que nascem por dentro


Outro dia li que  os figos têm suas flores nascidas por dentro e isso me intrigou. Encontrei poesia nesse conhecimento.

Achei tão poético que consegui relacionar a informação com a vida da minha mãe. O figo é, na verdade, uma flor invertida, que floresceu internamente.

Então, quando comemos figos estamos  comendo flores amadurecidas que o tornam do jeito como conhecemos.

Simbolicamente costumamos dizer que uma pessoa é uma flor pela sua delicadeza, beleza, suavidade, naturalidade, encanto. Seus gestos traduzem essas características e fazemos tal relação. 

Assim era minha mãe Nair. Já enxergávamos  externamente  muitas  flores nela,  em cada gesto, cada cuidado, cada fala mansa. Tinha dias que era roseira. Em outros  era orquídea. Ainda podia ser  uma margarida ou tulipa. Uma samambaia ou girassol.

E ainda, metaforicamente falando consigo ver suas flores internas. Como o figo também fora polenizada  pelas “vespas” da vida, advindas das  dificuldades e provações  que fizeram com que tivesse  desenvolvido lindas flores por dentro.

Flores amadurecidas viraram confiança, bondade, tolerância, amorosidade, honra, humildade, valentia e tantas outros enfeites primorosos.

E aqui, escrevendo entendo porque o doce de figo feito pela minha mãe era um dos meus preferidos. Aqui, recordo a colheita e o preparo  minucioso  que ainda enlaçam meu desejo de experimentar o doce das verdes frutas que me ajudam a acalmar a saudade dela.

Ainda posso lembrar do quanto me lambuzava naquela delícia tão peculiar e adoçada numa medida  acariciante e amorosa.

Fica aqui a lição de que as “vespas” da vida não nos autorizam a nos tornarmos  secos ou duros por dentro.

segunda-feira, 8 de abril de 2024

3.5- Saudosos de amanheceres mais ensolarados.


 

Vez ou outra, ainda sou invadida por um turbilhão de emoções quando lembro da sua partida. Os olhos lacrimejam e quando vejo,  as lágrimas rolam feito cachoeiras salgadas pelo meu rosto.

E no dia 7 de cada mês, sento para colocar minhas emoções no papel, esperando com isso preencher um pouco do vazio instalado por aqui.

Ainda sinto parte dos dias acinzentados, saudosos de amanheceres mais ensolarados.

Ainda busco palavras para confortar aquilo que nos desconforta, desconsola.

Ainda vejo suas mãos sábias em tantas coisas que ficaram aqui, entristecidas da sua ausência.

Ainda ouço sua voz em  preces e bênçãos amorosas  em cada aniversário, data festiva ou reunião em família.

Tantas novidades, novos acontecimentos, mudanças, reorganizações.  O que diria? Que conselhos daria? Que verdades não economizaria? Que atitudes tomaria?

Fazer a transposição da saudade , acomodando o espaço da falta que nada preenche é doído, sempre.

Difícil deslocar,permutar, transferir a saudade, se ainda é presença latejante.

Talvez, dia após dia, chegue o momento de conseguir driblar o sentimento, enganando ou trocando de endereço talvez.

 

domingo, 10 de março de 2024

3.3 Guarda-me um lugar à tua beirinha!


 DIA 7

3.3

Adaptado de Marisa Sousa 


Vou contar-te um segredo, mãe:

Ainda sinto as tuas mãos a acariciarem a minha alma, como daquelas vezes em que eu rompia com as esferas do tempo e embarcava nas brincadeiras sem ocaso.


Ainda oiço as tuas gargalhadas quando eu contava uma daquelas piadas, que só tu rias...

Ainda hoje vejo aberta a porta cinza que estava sempre escancarada para todos os teus netos.


Ainda sinto o paladar dos petiscos que fazíamos na tua cozinha mágica, com as tuas panelas abençoadas, das quais saíam verdadeiros manjares.


Sabes, nunca provei sabor igual.

O tempo já não é o mesmo.


E, à noite quando me sento a olhar para as estrelas, alcanço-te em cada uma delas. Pisco o olho e digo-te:

- Estás tão bonita hoje, Nair!


Guarda-me um lugar à tua beirinha! 


Que guardo-te em mim,  até lá!

3.4 "Saudade? Deve ser um sopro de amor querendo beijar o tempo." (Dan Céza)

 


3.4  "Saudade? Deve ser um sopro de amor querendo beijar o tempo." (Dan Céza)

 

Quarta-feira, dia 6 de março, Rapha estava na rodoviária e me manda a foto de uma senhorinha muito linda, que era muito parecida com minha mãe, sua vó Nair.

Bati o olho na foto e realmente era muito semelhante. O jeito de se vestir, de pendurar a bolsa, o comprimento e o  jeito de prender o cabelo, o óculos, a altura. Muito parecida.

Na hora, foi um susto. Um susto  bom! Parecia estar revendo minha mãe ali, viva, esperando o ônibus para voltar para casa.

Perguntei: Deu vontade de abraçar?

Ela respondeu: Muita!

Que saudade! Que vontade de abraçar!

Cecilia Sfalsin escreve que “Dá-se o nome de saudade a tudo que fica abraçado em nós pela alma.”

E vejo que o tempo todo estamos procurando coincidências, simbolismos, intuições que nos aproximem dela.

Talvez seja de fato o universo nos trazendo experiências de ligação.

Então, embriagados de amor e saudade sentimos sua falta, temos vontade de rever, de tocar...

Então, embriagados de amor e saudade enxergamos conexões em pequenos acontecimentos...

Então, embriagados de amor e saudade temos que seguir como Rapha me respondeu neste dia: “ Se estamos aqui é porque não terminamos nossa missão neste plano. Então vamos continuar a nadar”

E então... Seguimos saudosos.

terça-feira, 9 de janeiro de 2024

3.2 Quer comer alguma coisa?



São 3 anos e 2 meses que não perguntas o que queremos comer, que não atende o telefone, que não insiste para sermos bons planejadores, que não comenta conosco suas preocupações com cada membro da família.

São 3 anos e 2 meses que estamos esvaziados do seu potente amor de mãe, que tudo acolhe, tudo conserta, tudo ameniza, tudo fica embriagado de afeto.

São 3 anos e 2 meses que sua casa, mesmo aberta,  esvaziou.

Esvaziou da sua presença acolhedora. 

Esvaziou de sentido.

As memórias são hoje, para nós, promessas de amor eterno, as quais jamais se esvaziarão.

A sentimos embriagada de luz e assim a sua presença vai nos preenchemos diariamente. 

Por isso, continuo escrevendo e contando nossas memórias e sentimentos. As palavras precisam de mim e eu delas para que o vazio seja menos profundo.

Minha forma de conexão e de agradecimento. Assim, a porta fica encostada, entreaberta...


3.1 Pedaços indissolúveis de mim



"Mãe arruma a barra dessa calça pra mim!"

"Mãe passa esse vestido para a formatura, por favor"

"Mãe faz uma marmita pra mim!"

"Mãe faz a comida X que estou com vontade."


Todas essas frases e muitas  outras  foram minhas à minha mãe em muitas ocasiões e ela sempre prontamente me atendia.

Todas essas frases e muitas outras são da minha filha à mim.

Este texto nasceu na minha mente dias atrás quando Rapha me pediu para passar um vestido para ir a um casamento.

Imediatamente me lembrei dos pedidos que fazia e da ajuda da minha mãe.

Nunca fui boa,  interessada e  prestimosa nos serviços domésticos como era a minha mãe. Queria mesmo era estudar, ler, escrever, criar. Dedicava meu tempo ocioso a essas tarefas. 

Quando fui mãe tive um respaldo imenso dela. Não fosse ela tão pacífica e amorosa me ajudando em cada fase da minha bebê acho que teria sucumbido ao deserto que atravessava. 

Quando fui morar sozinha com a Rapha também. Ela foi minha estrutura, suporte, apoio.

Sinto tanto não ter podido fazer a ela ao mais do que fez por mim.

Enquanto eu passava o vestido esses pensamentos me tomavam e era dezembro.

E dezembro sempre mexe muito comigo num misto de alegria, saudosismo, recordações da infância, esperança em dias melhores, desejo de aceitação, encontros em família...

Ferro a passar e os pensamentos em minha mãe e filha: 'gosto muito de ti para sempre', 'obrigada por existires', um 'estou aqui para ti, sempre'.

Ferro alisando o tecido amassado junto com as memórias de abraços apertados, palavras fortalecedoras, gargalhadas altas, colo aconchegante,  ombros que seguram sem prazo de validade.

Ferro deslizando quente sobre a peça lilás e meus pensamentos pedindo que lhes cheguem olhos que brilham, palavras que  protejam e cuidem,  e ainda que haja uma luz ao fundo do túnel para cada escuridão a enfrentar.

Minha filha, minha mãe, pedaços indissolúveis de mim.

terça-feira, 7 de novembro de 2023

3 anos- E por falar em saudade...

 E por falar em saudade...


 

“E por falar em saudade Onde anda você? Onde andam os seus olhos Que a gente não vê...”

E lá se vão 3 anos sem as presença física aqui conosco.

3 anos  em que a saudade aparece, vai, volta, machuca, fica,vai, vem, invade a alma, vai, volta, atormenta, bate forte no peito.

Como sempre parou tudo para nos acolher, dar atenção, estamos aqui honrando sua passagem entre nós que tanto nos ensinou.

E sempre está em nossas orações, conversas e recordações.

Com frequência vem uma homenagem, uma história vivida, uma memória. Alguém conta um causo, uma passagem, um fato da sua história.

Seus ensinamentos em forma de conselhos e conversas mansas, a pipoca quentinha, a gostosura de raspar o recipiente com o restinho do bolo, o treinamento para mexer na máquina de costura, a permissão para que  o tapete da sala se transformasse em campo de futebol para que ali acontecessem inúmeros campeonatos e partidas imaginadas pelos netos que criavam dribles e jogadas por longas horas do dia, o paninho quente para curar a dor na barriga ou no ouvido, o ovo frito que só ela sabia fazer não passarão jamais. Carregaremos conosco!!

Deixo aqui um texto, que não é meu, nem de nenhum neto seu, mas poderia ser:

Vó, tá me ouvindo? Eu sei que não vai me responder, mas eu acho que sim. A senhora sempre parou tudo que tava fazendo para me escutar.
Vim aqui dizer que você tá fazendo falta e tô com saudade! Por aqui eu até tenho outras pessoas que me amam muito, mas seu carinho era diferente.
Era carinho de vó.
Queria te perguntar como estão as coisas aí em cima. Usando a mesma voz preocupada que a senhora falava quando me flagrava tristonho ou feliz demais.
Queria ter tido mais tempo para poder retribuir tudo que fez por mim. Aceitaria começar te cobrindo quando te flagrasse cochilando no sofá frio; ou quem sabe, no seu aniversário, te comprando um presente daqueles caros, que minha mãe jamais compraria para me forçar a dar valor ao dinheiro, também poderia ser assistindo seu desenho favorito concordando que era o melhor, mesmo sendo muito chato; poderia te abençoar de volta em todas as vezes que chegava ou saía ou ter apertado mais aqueles abraços.
Desculpa. É que pensava que nunca seria o último.
Queria tanta coisa... a começar pela senhora de volta. Nem que fosse emprestada só no dia da minha formatura para eu te mostrar o canudo e dizer que consegui! Que conseguimos! Ou no batizado do meu primeiro filho. Queria ver seu olhinho fechado, rindo à toa, olhando e falando para os outros que aquele era seu bisneto. Queria dar mais um beijo - daqueles que estralam - na sua bochecha linda, fininha e enrugada. Queria. Queria tanto…
Mas, não posso. E, confesso que isso dói. Mas, logo lembro de tudo. Fecho os olhos - como estou fazendo agora - sorrio baixinho e volto a te perguntar: "Vó, tá me ouvindo? Te amo, viu?"

Aí tudo passa.”

 

3.6 Flores que nascem por dentro

 3.6 Flores que nascem por dentro Outro dia li que  os figos têm suas flores nascidas por dentro e isso me intrigou. Encontrei poesia nesse ...